sexta-feira, 14 de setembro de 2012


Preservar é o mesmo que tombar?
Não, a preservação pode existir sem o tombamento.
O tombamento é uma imposição legal; porém, sem
ele não há garantia real de preservação. Esta é
uma importante ação a ser tomada para garantir a
preservação definitiva do patrimônio, impedindo, por
lei, a sua descaracterização/destruição e propiciando
a sua plena utilização.

Tombamento da Região  da Luz em 2000 (Arquivo do  Jornal “Estado de São Paulo:  12/08/2000)

Quando o tombamento de bens históricos
começou no Brasil?
Começou em 30 de novembro de 1937, com o Decreto-
Lei n° 25, criou-se o Sphan - Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, que nascia para proteger
cidades antigas e monumentos que corriam risco, devido
à especulação imobiliária e as reformas urbanas. Entre
os artistas e intelectuais envolvidos na sua criação
estavam Mário de Andrade, Lúcio Costa, Gustavo
Capanema e Rodrigo Melo de Andrade.
Atualmente é denominado Iphan - Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e possui
mais de 20.000 edifícios, 83 conjuntos urbanos e sítios
arqueológicos tombados, além de objetos, obras de
arte, documentos, etc.
É necessário tombar?
Sim, para se garantir a preservação dos bens culturais,
da memória coletiva e, conseqüentemente, da
identidade cultural dos grupos sociais. É uma medida
legal conveniente e segura, particularmente em relação
a bens ameaçados pela descaracterização, destruição
e pela especulação imobiliária.
O que é tombamento de conjunto de bens?
É o tombamento que não abarca apenas um imóvel,
mas uma série deles, localizados numa mesma
área, como sítios históricos, arqueológicos e núcleos
urbanos. Por exemplo: Ouro Preto, Brasília e Santana
de Parnaíba.
Deve-se tombar apenas bens das famílias
importantes ou edificações oficiais?
Os critérios de tombamento devem ser técnicos.
Essa é uma forma errada de tratar o tombamento de
bens imóveis, pois reforça a história dos vultos. Deve-se
ter o cuidado de preservar bens de todas as camadas
sociais definidoras da história local. É importante o
tombamento de edifícios públicos relevantes, assim
como de qualquer edifício que possua características
arquitetônicas e históricas de fortes significados
cultural e afetivo. Por exemplo: deve-se lutar para se
preservar o casarão do antigo coronel, mas também a
vila operária, o palacete e a pequena casa de porta e
janela, a sede da câmara municipal, o velho armazém,
a casa grande da fazenda, mas, em conjunto, outras
edificações que expressem a vida, o trabalho e os
hábitos da comunidade que os criou.



Casa do Tatuapé em gravura de R. Mertig, 1936 - primeiro documento iconográfico da casa [Livro resenhado, p. 203]



Deve–se tombar apenas bens luxuosos e
de grande porte?
Não, muitos imóveis modestos possuem técnicas
construtivas interessantes, originalidade, expressam
hábitos ou outro valor, como as casas de tábua trazidas
pela ferrovia, as obras de taipa de mão ou taipa de pilão,
ou as manufaturas e fábricas, por exemplo.

Mesmo as cidades mais novas têm bens a
serem tombados?
Sim, se considerarmos a importância da memória
coletiva do lugar. A partir do momento em que ele
passa a existir, começa a configuração da história
daquela comunidade. Como exemplo, pode-se citar
Brasília, tombada pelo IPHAN e também listada como
Patrimônio da Humanidade.

Os bens a serem tombados precisam ser
antigos, com mais de 100 anos?
É uma noção ultrapassada e equivocada sobre
preservação e tombamento. A importância de um bem
não tem ligação direta com sua idade. Hoje, existem
entidades de preservação da arquitetura moderna.
Bens recentes podem ser indicados para tombamento,
pois também estão sujeitos às descaracterizações
ou demolições. Exemplo: Pampulha, Brasília, Masp,
Parque do Ibirapuera, jardins de Burle Marx, etc.


 Parque do Ibirapuera

Como começa a escolha dos bens a serem
tombados?
A partir de um inventário de bens indicados pelos
membros do conselho, comunidade e especialistas.
Para tanto, é necessário que o grupo conheça a história
local, as suas tradições, o sítio urbano e área rural
por meio de pesquisas, estudos e levantamentos; e
mantenha um olhar atento à vida cotidiana, quando
poderão ser avaliadas as peculiaridades da cultura
do lugar.

Quais os critérios para se definir os bens a
serem tombados?
Deve-se fazer um inventário dos bens observando-se
sua integridade (estado de conservação/ possibilidade
de restauração), raridade, exemplaridade (bens mais
significativos, pois na presença de diversos com as
mesmas características, apenas alguns podem vir a
ser elencados) e importância arquitetônica, cultural,
histórica, turística, científica, artística, arqueológica e
paisagística, sendo que o bem pode possuir um desses
aspectos ou agregar outros.

Os bens tombados devem ser transformados
em museus e casas de cultura?
Os imóveis preservados devem fazer parte do dia-adia
das pessoas e não apenas utilizados para certas
funções, ditas culturais. Não importa o uso que se
dê ao imóvel, desde que seja compatível com a sua
estrutura física e que permaneçam preservadas as
suas características.



Museu Casa : Guilherme de Almeida

Quais leis amparam o tombamento?
O tombamento é previsto no artigo 216 da Constituição
Federal: “O poder público, com a colaboração da
comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros,
vigilância, tombamento, desapropriação e de outras
formas de acautelamento e preservação”.
Além disso, há as leis que criaram os conselhos em
seus diversos níveis e estados: Lei Federal (Decreto
Lei 25/1937), Lei Estadual (Lei 10.247/1968/SP) e
Leis Municipais.
O Ministério Público pode preservar?
Sim, em alguns casos, particularmente na ausência de
lei municipal específica, o Promotor de Justiça pode
evitar destruição iminente e determinar a preservação do
patrimônio cultural após ouvir especialistas na área.
A Constituição Federal, em seu artigo 129, parágrafo
3°, aponta como uma das atribuições do Ministério
Público “promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos”.
Tais ações são amparadas pelas Leis Federais n°
4.717/65 e n° 7.347/85, que disciplinam a “ação
popular” e a “ação civil pública”.

O que é o conselho de defesa do
patrimônio?
É um órgão colegiado de assessoramento, integrante da
estrutura pública (municipal, estadual, federal), composto
por um grupo de pessoas representantes dos diversos
segmentos da sociedade, cujo objetivo precípuo é a
preservação de bens de valor histórico-cultural.

Quais tipos de bens são tombados
pelos órgãos e conselhos de defesa do
patrimônio: internacional, federal, estadual
e municipal?
Obedecem a uma escala de importância:
Bens de interesse da humanidade, de excepcional
valor, inscritos na Lista do Patrimônio Universal
pela Unesco;
Bens de interesse nacional, tombados pelo
Iphan - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional;
Bens de interesse estadual, tombados pelo
Condephaat - Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico; Arqueológico; Artístico e Turístico (São
Paulo);
Bens de interesse local, tombados por órgãos de
defesa do patrimônio existentes nas cidades.
Como um bem é inscrito na lista do
patrimônio universal da Unesco?
A partir da solicitação dos países membros de um
tratado internacional, denominado Convenção sobre
a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural,
aprovado pela Unesco no ano de 1972. Os também
denominados Estado-Parte podem apontar bens
ligados ao Patrimônio Cultural ou Natural.
Depois de indicado o bem, o Centro do Patrimônio
Mundial verifica se os dados estão completos; o Icomos
ou o IUCN, organizações não governamentais voltadas
à preservação do patrimônio, avalia a solicitação; o
Bureau do Patrimônio Mundial examina a indicação,
recomenda ou não sua inscrição, e o remete ao Comitê
do Patrimônio Mundial, que toma a decisão final.

Um bem pode ser tombado por mais de um
conselho?
Sim. Dependendo do seu relevo, pode ser inscrito na
Lista do Patrimônio Universal e ser tombado pelas
outras 3 (três) instâncias nacionais.

Quem pode solicitar o tombamento?
A solicitação do pedido de tombamento pode advir do
proprietário, da sociedade, do conselho de defesa do
patrimônio, de entidades, de toda e qualquer pessoa
de direito público ou dos órgãos municipais/estaduais/
federais. O pedido deve ser devidamente descrito
mediante justificativas.
O que pode agilizar o tombamento?
Caso seja possível, é conveniente que a solicitação
de tombamento venha acompanhada, além das
justificativas habituais, de fotos novas e antigas,
plantas, histórico do bem, fontes de onde buscar outros
dados, etc.
Como se dá o processo de tombamento?
A condição primordial que desencadeia o processo de
tombamento é a conscientização da sociedade sobre a
importância do patrimônio histórico e, por que também
não dizê-lo, afetivo dos bens.
Os Conselhos, geralmente, funcionam da seguinte
maneira:
Um bem é indicado para tombamento;
Abre-se um processo, ou guichê;
Os Conselheiros definem, em reunião, e após
votação de seus membros, se iniciam um Estudo de
Tombamento;
Caso aberto, o proprietário é notificado. Solicita-se um
ou mais pareceres para a análise do processo. Por fim,
o parecer é votado;
Caso seja aprovado o tombamento, o processo segue
para lavrar-se a Lei de Tombamento. Inscreve-se o
bem no “Livro do Tombo”;
Caso o tombamento não seja aprovado, o processo
é arquivado.

Existem outros órgãos de preservação,
além dos públicos?
Sim, existem órgãos não governamentais de defesa do
patrimônio, sem poder legal para tombar, porém com
o importante papel de conscientizar as comunidades
sobre a preservação. Podem, ainda, agir no sentido da
indicação de bens a serem preservados, participar da
conservação dos mesmos e também ingressar com ação
civil pública quando os mesmos estiverem ameaçados.
Mesmo o cidadão, considerado individualmente, pode
ingressar com ação popular no caso do bem ser de
propriedade pública.


Por que é importante um conselho de
defesa do patrimônio local?
A existência de um conselho municipal traz consigo a
configuração de uma estrutura de trabalho personalizada,
que interage diretamente com a população local. A
co-responsabilidade e a cumplicidade atribuem valor
agregado de inestimável qualidade no resultado final
da defesa e preservação do patrimônio.
Bens de interesse local só serão tombados por um
conselho local - o conselho estadual, devido a sua
hierarquia, tomba apenas bens de interesse do Estado.
A ausência de um conselho local deixa o município sem
lei específica sobre o assunto.
Qual a participação da sociedade e da
população junto ao conselho de defesa
do patrimônio?
Mobilização popular e vontade política são a resposta.
Buscar no município pessoas interessadas no fruto
deste trabalho, tendo como resultado a revitalização e
a preservação da cultura local. Desta união resultarão
os meios necessários à criação do Conselho.
Os conselhos devem ser criados com o apoio das
comunidades. Boa parte deles nasceu devido a
pressões populares e a ONGs ligadas à preservação,
junto ao poder público e à imprensa.
A comunidade também pode pressionar para que a
preservação possa estar presente em leis municipais,
numa verdadeira gestão do patrimônio: como no Plano
Diretor, Lei de Zoneamento, Código de Obras, etc.

Como a sociedade pode auxiliar o conselho
de defesa do patrimônio municipal?
Atuar permanentemente em contato com os organismos
públicos e privados, como agentes de fiscalização
da preservação e do uso dos bens tombados,
denunciando ações de destruição, demolição ou
mutilação e alterações não autorizadas (reforma,
reparos, pintura, restauro).

O conselho de defesa do patrimônio é
ligado a qual secretaria?
Dentre os inúmeros municípios que contam com um
conselho municipal, o mesmo está na competência
da Secretaria de Cultura e Turismo ou na Secretaria
de Planejamento Urbano. Porém, nada impede de ser
articulado de outra forma, desde que seja atuante.
A comunidade deve atuar junto aos poderes públicos,
ainda, para que a preservação se faça presente em outras
leis municipais, caracterizando uma moderna gestão do
patrimônio e pautando-se no Estatuto da Cidade.
Quem faz parte do conselho?
Varia de município a município, mas, geralmente,
representantes do poder público: associações,
entidades de classe (IAB e CREA, por exemplo),
universidades, ONGs, etc.
Há interesse de todos na criação de
conselhos de defesa do patrimônio?
Para pequena parcela da comunidade o tombamento não
interessa, devido ao proveito advindo da especulação
imobiliária, ao conceito errôneo de que o novo é melhor e
ao desprezo pela memória local; entretanto, o patrimônio é
importante na formação e fomento da identidade cultural.

O tombamento é uma agressão à
propriedade privada?
É uma lei como tantas outras, que condiciona e regula
o uso responsável da propriedade privada, como a Lei
de Zoneamento, Código de Obras, Taxas de Ocupação,
Índices de Aproveitamento, etc.
Mesmo nas cidades muito pequenas,
é necessária a criação de conselho de
defesa do patrimônio?
Onde não houver uma especulação imobiliária muito
forte, pode-se tentar apenas a conscientização
da comunidade e dos proprietários de imóveis a
serem preservados. Porém, como tais tratativas
são geralmente informais, acabam por ser frágeis,
dependentes de indivíduos e situações, e não de leis.
Tombar é o mesmo que desapropriar?
De maneira alguma. A desapropriação faz do poder
público o proprietário do bem, e o tombamento não
altera sua propriedade.

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